segunda-feira, 5 de maio de 2014

A cobrança descabelada

Aluna: Maria Jéssica Carneiro

Muitas vezes situações simples como uma cobrança podem tornar-se foco de conflitos
sérios e desconfortáveis. O fato aconteceu no bairro de Outra Banda, no município do Aca-
raú, interior do Ceará. O bairro tem esse nome porque havia um riacho, há muito tempo
atrás, que cortava o centro da cidade de um povoado. Toda vez que alguém ia atravessar o
riacho dizia que queria ir para a Outra Banda, daí surgiu o bairro que se desenvolveu às
margens do rio Acaraú e destacou-se pelas indústrias de pescados. Atualmente é um dos
bairros mais populosos da cidade.
E, com tanta gente residindo por ali, não poderia deixar de acontecer alguns espetácu-
los de vez em quando. Certo dia, por volta das sete da manhã, voltando da mercearia per-
tinho da minha casa, defrontei-me com uma mulher de face visivelmente perturbada que
caminhava de um lado para outro à espera de alguém. De súbito ela avistou quem procura-
va. Era a vizinha da frente. Imediatamente, dirigiu-se a ela e disse:
— Pague o que me deve. Comprou tem que pagar.
— Não tenho o seu dinheiro agora! Vá embora! – respondeu a vizinha devedora.
Então, sem muita conversa, a mulher foi embora, mas avisou-a com os olhos cheios de
raiva de que voltaria para pegar o que era seu e não esperaria mais nenhum dia.
Presenciei a cena, intrigada, mas não dei muita importância. Passou e acreditei que
tudo teria acabado, porém, por volta do meio-dia, saboreando um gostoso camurupim,
peixe típico dessa região praiana, quase me engasguei com uma espinha, tamanho foi o
susto que tomei quando ouvi um grito, e outro e mais outro. Estranhei, visto que não era
comum, até então, ouvirem-se gritos na rua, ainda mais naquele horário. Fui até a porta e
um tumulto que se formara na rua aguçou a minha curiosidade. Saí e cheguei mais perto
para verificar o que ocorria. Eram as duas mulheres, cobradora e devedora, que discutiam
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com ferocidade. Aos poucos, as pessoas saíam de suas casas para ver o que estava aconte-
cendo. As palavras que pronunciavam eram cada vez mais fortes e pesadas e ambas pouco
se importavam com as crianças que ali estavam. Na realidade, elas só queriam acertar as
suas contas. Como já era de esperar, as duas engalfinharam-se no meio da rua. Uma puxava
o cabelo da outra com tanta selvageria que nem dava mais para perceber quem era quem.
A multidão que se formara ao redor das duas apreciava atônita e imóvel aquele espetáculo
de horror. Pensei comigo que Outra Banda já não era a mesma. Onde ficou a política de boa
vizinhança? O público olhava, mas não fazia nada.
Por fim, depois de muito cabelo arrancado, a confusão acabou. Tudo em vão! A cobra-
dora não recebeu o seu dinheiro e saiu do local com o orgulho ferido. A devedora, agora
com fama de má pagadora, foi-se com machucados graves em sua dignidade.
O caro leitor deve ter tido a impressão de que Outra Banda é um bairro um tanto
quanto agitado. Entretanto, perceba que cobranças acontecem diariamente e em todos
os lugares. O diferencial está na forma como ela é feita. Neste caso, a cobradora pouco
paciente e a devedora inadimplente criaram um cenário conflitante que modificou o ambien-
te de Outra Banda. Espero que não aconteçam outros fatos assim novamente, mas, só para
garantir os meus cabelos, peço-lhes licença para ir à mercearia pagar uma conta antiga.

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